Em 2022, quando se encerrava o boom de crédito imobiliário da pandemia, o setor entrava em uma espécie de inverno. Não uma estagnação ou uma crise propriamente dita, mas um período de retração no nível de atividade em comparação ao ano anterior.
Agora, com a queda da taxa básica de juros (Selic) e com o fortalecimento do programa Minha Casa Minha Vida, o mercado imobiliário se prepara para abrir 2024 em clima de primavera.
Entender o que nos aguarda requer, primeiro, qualificar o que foi esse inverno: nos últimos dois anos, o número de unidades habitacionais financiadas com recursos da caderneta de poupança (SBPE) retraiu cerca de 20% ao ano.
Mesmo assim, em números absolutos, o acumulado dos últimos 12 meses revela uma quantidade de unidades financiadas menor apenas que a registrada em 2021 e 2022, justamente o boom da pandemia. Excetuados esses anos atípicos, os resultados de 2023 são os melhores em duas décadas.
O inverno do setor imobiliário foi, portanto, um inverno ameno, e o crescimento projetado para 2024 parte de um patamar historicamente alto. Dos dois motores que devem impulsionar esse crescimento, aquele referente à taxa de juros é o que merece mais atenção.
Vimos nos últimos anos a multiplicação de meios privados de funding do crédito imobiliário residencial. Somados, os títulos LCI, LIG, CRI e LH já representam 30% de todo o saldo imobiliário, equivalente a cerca de R$ 300 bilhões. Em 2019, esse percentual era de apenas 22%.
O crescimento expressivo dessas modalidades de financiamento é saudável, pois permite ao mercado se desenvolver de forma orgânica, mas os títulos têm custos de captação maiores do que a poupança (SBPE) e o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).
Aí reside a complexidade da relação entre o setor e a taxa de juros. Com a Selic no patamar de 13,75% ao ano, a diferença entre a taxa básica de juros e a taxa de financiamento imobiliário permaneceu próxima à média histórica.
Porém, com a perspectiva de redução da Selic para 9% ao longo de 2024, muito provavelmente será necessário reequilibrar essa equação. É natural, portanto, que as taxas de financiamento imobiliário caiam um pouco, o que, se apoiado em uma política econômica favorável, deve aquecer o setor.
As perspectivas são otimistas, mas há duas frentes frias que ameaçam nossa primavera. A primeira delas é externa e diz respeito à política monetária dos Estados Unidos. Dada a resiliência da inflação, o FED (Banco Central norte-americano) não dá sinais de que a atual taxa básica de juros, alta para os padrões dos EUA, vá cair tão cedo.
Isso cria dois riscos: o primeiro é o de desvalorização do real, levando a um aumento na inflação brasileira e, consequentemente, a uma reversão da queda da Selic. O segundo risco é o de hard landing, isto é, de recessão abrupta nos EUA após um período de crescimento econômico, com impactos globais um tanto imprevisíveis.
Já a segunda frente fria é doméstica. Ainda não sabemos como o novo arcabouço fiscal, em aprovação no Congresso, funcionará na prática. Em tese, uma nova regra fiscal sempre desacelera a expansão do gasto público, o que, por sua vez, ajuda a conter a inflação, mas isso depende da sustentabilidade do arcabouço.
Caso a reforma não saia como previsto, a inflação e os juros futuros serão pressionados, o que deve resultar em uma Selic maior que a desejada. São cenários pouco prováveis, mas não impossíveis. Recomenda-se calibrar o otimismo do setor.
De todo modo, o mais esperado é a permanência das boas condições atuais, com taxas de juros de financiamento menores e o fortalecimento do Minha Casa Minha Vida. É sobre esse alicerce macroeconômico, e sempre com cautela, consciente das chances de mudança no cenário, que o mercado imobiliário se prepara para um 2024 inteiro de primavera.